“Na encruzilhada entre a submissão e a resistência, que histórias seus olhos conseguem ler?”, esta é a frase panorâmica estampada na entrada da exposição histórico fotográfica “Reintegração de posse: Narrativas da presença negra na história do Distrito Federal”, que teve abertura na noite de 12 de setembro. Com a proposta de desvendar as subjetividades das pessoas negras responsáveis pela construção de Brasília, suas memórias e trajetórias na cidade, a reintegração é a retomada e compartilhamento das histórias dos primeiros trabalhadores, das contribuições da gente negra no DF ainda hoje. A reintegração nos convida a questionar quais são os corpos homenageados pioneiros e quais são os corpos subalternizados “candangos” na trajetória da construção do quadrado no Planalto Central.
Encabeçada pela historiadora Ana Flávia Magalhães junto a estudantes e pesquisadores de diversos cursos da graduação e pós-graduação da UnB, o trabalho foi resultado de uma pesquisa que, ao longo de um ano, envolveu a todos numa costura entre os dados coletados, as histórias compartilhadas pelos entrevistados e a vida pessoal de cada integrante do grupo, como foi o caso de Andressa, que durante o processo pode entrar em contato com uma parte do legado de sua família que nunca havia sido revelada. Na cerimônia de abertura, quando estive presente, algumas das senhoras e senhores entrevistados no processo da pesquisa participaram para darem seus relatos. Junto às fotografias coletadas do Arquivo Público do Distrito Federal (ArPDF), datadas nos anos de 1956 a 1998, o trabalho contou com documentos do Fundo Secretaria de Comunicação Social, entrevistas e contribuições do público para organização dos dados e descobertas. Na exposição encontramos as fotografias, tótens, atividades interativas, documentos audiovisuais para aproximar o público das experiências vividas pelas pessoas negras ali representadas, da pessoa que visita e assiste, bem como a dos estudantes e pesquisadores. Dentro do debate sociológico de organização e distribuição do espaço urbano do Distrito Federal, tem-se as concepções da segregação socio-espacial de uma formação a partir do Plano Piloto e as disposições mal planejadas das expansões e ocupações do espaço urbano e rural nas margens deste projeto, toda essa engrenagem excludente compoe o mecanismo de socialização dos corpos para que continuem apagados debaixo das construções da cidade, para que não se entenda o processo histórico cultural da formação do Distrito Federal. Já prestigiada pelo cantor baiano Matheus Aleluia, a atriz Camila Pitanga e a renomada contribuinte do movimento negro no DF, Lydia Garcia, a exposição vai até 29 deste mês no Museu Nacional da República, além de propostas durante a Semana Universitária da UnB, em que o grupo terá participação com duas atividades que acontecerão em 26/09, das 19h às 21h no auditório Joaquim Nabuco, na UnB, e 27/9, das 14h às 16h30, no Museu Nacional. As oficinas são aberta para toda a comunidade. As inscrições estão abertas em: http://www.dex.unb.br/a-semana-universitaria-2019 O grupo também possui página no Instagram para compartilhamento, continuação e expansão do projeto e uma playlist no Spotify a fim de viabilizar o contato com artistas negras/os da cena local e que dialogam com a temática da contribuição da gente negra no Distrito Federal. Instagram: @historianegradf Playlist no Spotify: https://open.spotify.com/playlist/1wUClcPUbvSKjaIHRRxNk5?si=e1Oi7KEURkKFurkX2pQ34g Data: 12 a 29 de setembro Quarta (25/9), das 9h às 19h. Quinta (26/9), das 9h às 11h. Sexta e sábado (27 e 28 /9), das 9h às 19h. Domingo (29), das 9h às 15h. Local: Museu Nacional da República Entrada Gratuita.
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“A carne mais barata do mercado
É a carne negra A carne mais barata do mercado É a carne negra Que vai de graça pro presídio E para debaixo do plástico...” ( trecho da música “A Carne” de Elza Soares) Será que a crítica produzida pela música de Elza Soares, feita em 2002, é ainda a realidade brasileira? O documentário “Auto de Resistência” responde que sim. Dirigido por Natasha Neri e Lula Carvalho e tendo como ano de lançamento 2018, o longa trata exatamente do que a música, apresentada acima, descreve, o tão assustador assunto e que vem sendo abafado por anos no Brasil: o genocídio em massa da população jovem negra periférica no Estado do Rio de Janeiro. Acompanhamos a trajetória de mães que perderam seus filhos, vítimas que sobreviveram e testemunhas tentando lidar com essas mortes provocadas pelo Estado e fazendo de sua vida uma luta constante por justiça. Também observamos os advogados das famílias, os promotores, juízes e réus no tribunal para esclarecer o ocorrido, julgá-lo e dar um voto final de culpado ou inocente. É possível presenciar a atuação de deputados importantes a favor da justiça e da acusação como, Marielle Franco e Marcelo Freixo, também assistimos a fala pela inocência destes policiais vindo da família Bolsonaro, até então somente deputados. O documentário expõe histórias de homicídios praticados pela polícia contra civis, em diferentes comunidades cariocas, em um auto de resistência. O ato é definido por: o policial mata um suposto “suspeito”, alegando legítima defesa e que houve resistência a prisão. A ocorrência é registrada como “auto de resistência” e as testemunhas são os próprios policiais que participavam da ação, por este motivo os crimes quase nunca são investigados. É um longa forte, podendo ser contra-indicado para pessoas sensíveis a sangue. Existem cenas explícitas de abuso de poder e violência por parte dos policiais, normalmente gravada por testemunhas. A partir da exposição do filme, podemos associar com os conceitos de Judith Butler sobre vidas precárias e vidas passíveis de luto. Em seus livros “Marcos de Guerra” e “Vidas Precárias” nota-se que a sociedade afasta a todos que são consideráveis fora do padrão normativo. Ou seja, de acordo com Butler estas vidas que são não-normativas, também não são reconhecidas como vidas e seres humanos, suas vidas se tornam precarizadas pelo próprio Estado e sua morte não significa nada, ao ponto de não precisar passar pelo processo de luto. Ao nos questionarmos por que esses assassinatos ocorrem devemos lembrar deste conceito também, para os policiais o jovem negro periférico é tão precário que não é uma vida que fará falta ou é importante, tira-se a humanização da vítima para justificar o ato. Além de sua vida ser insignificante, as da sua família também são. O processo de luto não é reconhecido, a justiça não é feita, levando-os, além de assassinados, seres não enlutados. Aos que querem assistir, desejo-lhes boa sorte e caso necessário pause-o nos momentos difíceis. Adianto-lhes que este documentário deve ser visto até o final pois, é de extrema importância para entendermos, ou começarmos a entender, sobre a opressão policial, abuso de poder, manipulação de cenas de crime, limpeza étnica, corpos precários, políticas higienistas, gastos públicos na “guerra contra as drogas”, racismo institucional/estrutural e o genocídio de uma parte da população. Por: Laura Cereza Reis. "Os senhores não poderão ficar omissos, os senhores não terão como ficar alheios a mais essa agressão movida pelo poder econômico, pela ganância. Um povo que habita casas cobertas de palha, que dorme em esteiras no chão não deve ser identificado de jeito nenhum como um povo que é inimigo dos interesses do Brasil e que coloca em risco qualquer desenvolvimento. O povo indígena tem regado com sangue cada hectare dos oito milhões de km² do Brasil. Os senhores são testemunhas disso." Discurso de Ailton Krenak em defesa das terras indígenas na assembleia constituinte de 1988.
Apesar de ininterrupto o avanço da fronteira agrícola, nos últimos dias os povos originários do território brasileiro voltam a figurar nas principais discussões políticas brasileiras. A contribuição do primeiro episódio da série "Guerras do Brasil.doc", disponível na plataforma de streaming "Netflix", é evidenciar que a luta atual pela preservação da demarcação de terras indígenas no Brasil é um processo histórico-social, que se prolonga desde o momento da chegada dos portugueses neste território, e se prova um grandioso genocídio da multiplicidade de culturas que aqui se constituem e/ou já se constituíram em prol do desenvolvimento econômico. Enquanto eu assisto esse episódio, três pontos importantes sobre o conceito de Cultura, formulados por Roque de Barros Laraia, me vêm a mente e parecem ser indispensáveis para compreender tanto o documentário, quanto o conflito de terras. "A cultura condiciona a visão de mundo": há que se considerar a disputa de narrativas acerca da história da chegada dos europeus no território brasileiro. A história institucionalizada considerar essa chegada como uma conquista constituiu uma perversidade, que varreu da memória a presença dos vários e diferentes povos que ocupavam essas terras, e a variabilidade das formas de vida existentes, para narrar a divisão da costa atlântica entre particulares portugueses que aqui se fixaram no território e instituíram (o que para alguns se revelou) um sistema de produção e desenvolvimento civilizatório e (para outros) o fim do mundo, com a morte dos seus pares e a coagida negação da própria identidade. "A cultura têm sua lógica própria": o preconceito e o discurso de ódio são os que mantêm viva a prática de extermínio do outro que pensa e usufrui da terra de maneira culturalmente diferente do ocidental europeu e industrial. Essas ideias foram fortificadas no passado com a justificação da guerras pelo poder religioso, tratando os povos originários como selvagens endemoniados, e têm suas reminiscências ainda hoje no debate provocado pelos ruralistas, que por sua vez não detêm a habilidade de perceber a terra como um lugar a ser preservado, mas sim como usufruto da ganância que move e renova o sistema capitalista de produção econômica. "A cultura é dinâmica": todos os grandes ciclos econômicos deste país afetaram de alguma maneira os povos indígenas, forçando-os a se adaptar à violência. A guerra é contínua. Muitos de nós tem dificuldade de achar seu espaço de responsabilidade nessa guerra. Não somos em maioria proprietários de terra e nem indígenas. Poucos de nós reflete sobre a conivência do Estado brasileiro desde a chegada dos portugueses até hoje. Todos somos parte desse Estado. Para os brasilienses: até o dia 10 de setembro de 2019, de terça a domingo, entre 9h e 21h, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) hospeda a exposição "Vaivém". "A exposição investiga as relações entre as redes de dormir e a construção da identidade nacional no Brasil. Quando a rede – criada por diferentes povos originários ameríndios – passou a ser associada de maneira direta com o território brasileiro e a noção de brasilidade? A exposição caracteriza-se por seu caráter trans-histórico, reunindo artistas de distintos contextos sociais, diferentes períodos e regiões do país, que refletem sobre permanências, rupturas e resistências na representação e nos usos das redes de dormir na arte e na cultura visual brasileiras. Com curadoria de Raphael Fonseca, a mostra reúne cerca de 300 obras de coleções públicas e privadas, algumas especialmente criadas para o projeto." (Sinopse disponível no site do CCBB http://culturabancodobrasil.com.br/portal/vaivem/) Escrito por Manuel Guerra. |
PET IndicaSemanalmente, indicamos filmes, músicas, livros, eventos culturais da cidade, entre outros, acompanhado de um texto autoral que explore o cunho sociológico, antropológico e/ou político da indicação. Histórico
August 2021
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