Por Pedro Pereira Sinopse: “City Of Joy: Onde Vive a Esperança é um documentário produzido pela Netflix, dirigido por Madeleine Gavin, que traz denúncias dos estupros praticados como estratégia de guerra, na República Democrática do Congo. Porém, há uma narrativa de esperança explanando a agência das mulheres africanas em busca de cura e reconstrução. City Of Joy é um centro de sobreviventes de estupros e de violência de gênero, que tem como objetivo transformar essas mulheres em líderes.”
O documentário dirigido por Madeleine Gavin, lançado em 2018, mostra a realidade dos conflitos de guerra no Congo e como essa guerra impactou as mulheres congolesas, especialmente pela prática dos estupros como tática de guerra. O documentário está centrado em City Of Joy(Cidade da Esperança), uma instituição localizada em Bukavu, Leste da República Democrática do Congo. Essa instituição surgiu como um centro de sobreviventes de estupro e violência de gênero, com o objetivo de transformar essas mulheres em lideranças. Nesse prisma, mostra a agência das mulheres africanas para recuperar sua própria identidade. Umas das questões que o documentário nos revela sobre a realidade congolesa é como a guerra no Congo teve uma questão tanto econômica, quanto pelo controle da mineração. Essa guerra envolveu países poderosos e multinacionais que financiavam milícias para a extração de minérios, como o coltan (usados para fazer computadores, celulares, televisões etc.). Desse modo, o documentário nos convida para compreendermos como as matérias primas chegam no mercado, através da guerra, expropriação de terras e genocídio de pessoas africanas. O colonialismo tem sido uma prática política e teórica muito debatida e questionada. A filósofa nigeriana Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí aponta a dupla opressão que a mulher africana sofre quando foi colocada nessa categoria, a partir da colonização ocidental europeia. Nesse sentido ela nos diz: “O próprio processo pela qual as fêmeas foram categorizadas e reduzidas a “mulheres” as tornou inelegíveis para papéis de liderança. A base dessa exclusão foi a sua biologia, um processo que foi um novo desenvolvimento na sociedade iorubá. [...] na sociedade iorubá pré-britânica, as anafêmeas, como os anamachos, tinham múltiplas identidades que não eram baseadas em sua anatomia. A criação de “mulheres” como categoria foi uma das primeiras realizações do Estado Colonial.” (Oyěwùmí, Oyèrónkẹ́ ;2021, pg. 189). Apesar da autora ser nigeriana, o historiador Cheik Anta Diop aponta em seus estudos sobre a África pré-colonial que a unidade cultural da África Negra está estruturada no matriarcado, portanto, a “mulher” tem um papel sagrado e de grande autoridade na sua comunidade (DIOP, 2014). O documentário nos mostra nitidamente um ataque às “mulheres” africanas dos povoados próximos às minas, ataque que é totalmente planejado pela colonialidade, pois significa a destruição da família e da comunidade, o eixo central das relaçõesafricanas, como nos diz Diop. Outro problema interessante a ser destacado é o medo da floresta, que se torna um símbolo de perigo devido às milícias. Segundo Bunseki Fu-Kiau (1991), para os povos BântuKôngo o mundo natural tem sua sacralidade e a floresta tem um papel social muito importante para esse povo. À vista disso, é uma parte da constituição de aprendizado do mûntu (ser humano) e contato com os ancestrais. Consequentemente, tem-se a perda do seu modo de se relacionar com a natureza, parte constituinte das suas iniciações e rituais. Além disso, as formas distributivas de poder sofrem uma grande mudança, ao mesmo tempo que a perda de espaço da “mulher” africana nas tomadas de decisões se dá com a inserção do sistema colonial alterando a cultura autóctone. Contrariamente às narrativas negativas que vêm de África, o que percebo ao assistir o documentário é a força imensurável das “mulheres” africanas que, mesmo com todo tipo de violência relegada ao povo Africano, sempre mostram a força vital e ancestral que nos convida a caminhar, resistir e a ter esperança na união de um povo, e que se torna uma força motivadora de denúncia e resistência contra o sistema colonial e racista. Bibliografia: DIOP, Cheik Anta. A Unidade Cultural da África Negra. Esferas do patriarcado e matriarcado na Antiguidade Clássica. Angola- Luanda: Edições Mulemba, 2014. FU-KIAU, Kimbwandende Kia Bunseki. A visão Bântu Kôngo da sacralidade do mundo natural. Salvador: ACBANTU, 1991. Oyěwùmí, Oyèrónkẹ́ . A Invenção das Mulheres. Construindo um sentido Africano para os discursos ocidentais de gênero/ Tradução wanderson flor do nascimento. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.
0 Comments
|
PET IndicaSemanalmente, indicamos filmes, músicas, livros, eventos culturais da cidade, entre outros, acompanhado de um texto autoral que explore o cunho sociológico, antropológico e/ou político da indicação. Histórico
August 2021
Categorias |