Em algum momento do final do ano passado, uma amiga me chamou para ir a um samba no SCS (Setor Comercial Sul, de Brasília). Eu nem gosto muito de samba, para dizer a verdade, mas mesmo assim comprei a ideia. Muito entediado no evento, eu fui andar pelo SCS em busca de fazer o tempo passar mais rápido. Na rua de cima, de frente a entrada de um dos prédios dali havia uma aglomeração, mas nada que indicasse uma festa. Aquelas pessoas estavam todas maquiadas, brilhando, roupas diferentes para mim e aquilo me deixou curioso. Alguma coisa estava acontecendo dentro daquele prédio e eu precisava descobrir. Eu fiquei rondando até me sentir seguro para entrar. Acompanhei as pessoas escadas abaixo, desci não-sei-quantos degraus, ainda desconfiado e inseguro a respeito de onde aquilo ia me levar. Quando, de repente, meus olhos brilharam: era um baile de Vogue! Eu já havia assistido “Paris Is Burning” algumas vezes antes daquele momento, e visto algumas apresentações de dance vogue na UnB, mas eu nunca me toquei que aqueles bailes, que para mim eram muito nova-iorquinos e oitentistas, estivessem acontecendo tão perto de mim. Aquela noite havia se transformado de algo entediante para uma diversão explosiva. Para quem não sabe do que se trata o baile de Vogue, eu indico começar assistindo o documentário “Paris Is Burning”, 1990, da diretora Jennie Livingston, disponível no Youtube (720p, sem legenda: https://www.youtube.com/watch?v=xf6Cn2y2xEce / 240p, legendado: https://www.youtube.com/watch?v=xf6Cn2y2xEc) ou na Netflix (https://www.netflix.com/title/60036691) O filme retrata a existência de eventos organizados pela comunidade LGBT que vivia no Harlem, composta em geral por negros e latinos, durante os anos 80. Tratavam-se de pessoas com necessidade de expressão artística competindo em desfiles de algo mais complexo que moda, que eu não saberia definir, portanto, desfiles de Vogue. O que dá a beleza a essas competições são as condições sob as quais elas existem, pois são produzidas por pessoas tolhidas pela sociedade do consumo, que impossibilita o acesso à arte àqueles sem condições financeiras, e pela heteronormatividade, que expulsavam essas pessoas de suas casas por considerar seus comportamentos como algo degenerado. Isso fortalece o senso de comunidade, consolidado dentro dos salões onde as competições aconteciam (e acontecem). A disputa ocorre entre as casas (houses), que geralmente são lideradas pela Drag Mother, a pessoa que recebe os jovens, os ensina a costurar, a desfilar, a competir, e lhes provê as condições necessárias para a sobrevivência na sociedade hostil para com essa comunidade. Pelo que eu entendi, o estilo de dança Vogue tem seu nome inspirado na revista, que serve ainda hoje como referência de moda aos norte-americanos. A dança simula as poses das modelos. A ideia era que o espaço produzido pelo baile fosse um lugar para ser aquilo que não lhes era permitido ser na vida cotidiana, mas que lhes era vendido pela sociedade de consumo. Ao longo do tempo, a dança desenvolveu vários estilos e modalidades, das quais eu não ouso tentar explicar. Por isso, indico aos que tem interesse de aprender (e se envolver mais com a cena local de Brasília) as oficinas abertas ao público. Elas acontecem no Instituto LGBT (SCS, Quadra 4), servem tanto para quem nunca dançou, como para quem já pratica o voguing. Cada Casa tem o seu cronograma de oficinas. Eu conversei com apenas três, abaixo seguem seus horários e os respectivos instagrams para mais informações. @casadeolfenza Terças e Quintas, às 16h30m @houseofcaliandra Segundas e Quartas, às 16h30m @houseofpadam Quintas, às 19h Para quem, como eu, não se interessa em praticar o vogue, mas adoraria apoiar a cena comparecendo aos bailes, eles infelizmente não acontecem com frequência determinada, pois dependem da organização de cada Casa. Por outro lado, felizmente, o próximo já tem data e local: 30/03, às 17h30m, no Ginásio CAVE – QE 25, Guará II. https://www.facebook.com/events/296138531064426/ Como eu narrei no começo do texto, eu descobri esse mundo muito por acaso, e sou só um espectador da arte. Caso eu tenha dito algo de errado, por favor, me corrijam. A intenção aqui é indicar esse mundo para que o apoio aumente e a cena cresça. por Manuel Guerra
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August 2021
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