No final da década de 90 nos Estados Unidos, num momento histórico de luta pelos direitos civis dos negros, os afro americanos passaram a denunciar a violência policial sofrida nos bairros de negros segregados em todo país. As abordagens policiais indevidas, prisões e acusações ilegais até esquemas de organizações policiais racistas e neonazistas tornam-se alvo das organizações negras. Casos como de Rodney King, Eric Garner, Michael Brown, Kalief Browder, entre outras histórias de violência policial que ficaram famosas por todo mundo, atingem a população norte americana e os impulsiona a ir às rua em busca do direito à vida da população afro americana. Inspirada nesse cenário, a escritora negra Angie Thomas cria um caso fictício de um jovem negro assassinado pela polícia, Khalil personagem central em seu livro. A obra infanto juvenil “The Hate U Give - O ódio que você semeia” apresenta a história de Starr, uma jovem negra que é a única testemunha do assassinato de seu melhor amigo Khalil. Após o ocorrido a protagonista se vê em um conflito interno entre denunciar a violência policial e contar ao mundo a verdadeira história da morte de seu amigo e a garantir a sua segurança e de sua família se mantendo no anonimato. Influenciada pela sua vida em um bairro negro da periferia em contato constante com a polícia e a criminalidade e sua rotina na escola num bairro de brancos ricos, a protagonista precisará tomar a decisão de contar a todos o que verdadeiramente aconteceu e exigir justiça para seu melhor amigo ou deixar sua imagem ser distorcida pela mídia e pela polícia de sua cidade. A trama aborda não só a violência policial e a luta antirracista dos afro americanos, mas também relacionamentos interraciais, racismo contra pessoas de origem asiática e ainda resgata um fenômeno muito importante nos Estados Unidos, o rap. Numa jogada genial Angie Thomas envolve em sua trama o ícone rapper e militante Tupac Shakur ao nomear seu livro com a música e resgatar o lema da carreira do cantor “T.H.U.G - The Hate U Give” destacando o estilo de vida “Thug Life - vida bandida” e os aspectos que rodeiam a realidade dos jovens negros nos bairros da periferia a partir do rap. A “vida bandida” apontada por Tupac é colocada na obra com intenção de destacar a frase cantada por ele “The Hate U Give Little Infants Fuck Everybody” que significa “o ódio que você passa pras criancinhas fode com todo mundo” fazendo alusão a violência policial a qual os jovens e crianças estão submetidos pela polícia em seus bairros, colocando-os em um ciclo de violência constante que se voltará contra o sistema no futuro. O livro se espalhou por todo o mundo comovendo negros e brancos ao tocar a realidade tão difícil vivenciada pelos afro americanos de restrição de direitos e violação da liberdade. Angie Thomas usa a literatura como uma ferramenta de denúncia contra o racismo estrutural, contra a manipulação midiática das histórias desses sujeitos e dos seus corpos, em busca da luta pela justiça social para os afro americanos. O ódio que você semeia ganhou as telinhas e estreará nos cinemas brasileiros no dia 06 de Dezembro com uma equipe composta de atrizes e atores afro americanos de renome dando espaço a essa história que nos emociona, nos faz acreditar e desacreditar na luta antirracista. Entretanto, mais do que nunca nos mostra a força de uma parcela da população que com as suas próprias ferramentas combate o racismo estrutural. Trailer do filme: O ÓDIO QUE VOCÊ SEMEIA | Trailer (2018) Legendado HDhttps://www.youtube.com/watch?v=EryI11N3Oss Ouça a música: Tupac - Thug For Life Ft. Biggiehttps://youtu.be/QLhT7jEfiIw por Gabi Costa
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“Cante em inglês, tenha um nome internacional e talvez um dia seu som seja comparado ao de uma banda gringa”.
Apesar de ser uma piada infame e batida no underground, essa frase aponta o maior obstáculo enfrentado pela cena latina de heavy metal: a hegemonia do norte global. Tal hegemonia é o que pauta a produção artística desse gênero musical nos países periféricos. Pela atenção das grandes gravadoras americanas e inglesas, bandas de países do sul abandonam sua língua nativa e descartam o mercado local. No Brasil, país de expressão no trash metal, as principais bandas não ousam escrever letras em português em seus álbuns. Sepultura, Krisiun e Violator, grandes bandas do gênero, se renderam ao jogo do norte para conquistarem a influência que possuem hoje. Esse não é o caso da banda argentina A.N.I.M.A.L. Ela não canta em inglês e nem tem nome internacional. Ainda assim, seu trabalho sempre foi comparado à sonoridade do Pantera, uma das bandas mais economicamente bem-sucedidas da história. A realidade é que a diferença entre os dois grupos não poderia ser mais evidente. Enquanto os membros da banda texana utilizavam guitarras com desenho da bandeira confederada e saíam por aí fazendo saudações nazistas e gritando “White Power” no palco, os integrantes da A.N.I.M.A.L se engajavam na luta contra o racismo na América Latina. Pautadas por temáticas como a colonização e o extermínio de povos nativos e africanos no continente, as músicas do conjunto são um grito político contra as estruturas neocoloniais que ainda predominam. Esse grito é ouvido no próprio nome da banda: A.N.I.M.A.L é sigla para Acosados Nuestros Indios Murieron Al Luchar. Criado em Buenos Aires em 1992, o conjunto, que é um Power Trio, variou seus álbuns entre o Trash e o New/Nü Metal. Apesar das diferenças de sonoridade, todos eles partilham uma temática política forte, com reinvindicações voltadas para as demandas dos povos nativos e com pedidos de levante de uma América Latina Unida. União essa que a banda concretiza em seu quarto álbum, intitulado Poder Latino e lançado em 1998. Nele, participaram artistas latinos consagrados no gênero, como o brasileiro Max Cavalera (Sepultura/SouFly/Cavalera Conspirancy) e Robert Trujillo (Suicidal Tendencies, Infectious Grooves/Metallica). Infelizmente, A.N.I.M.A.L não conseguiu o reconhecimento merecido dos fãs de Heavy Metal da região que tanto valorizam. A banda anunciou o fim das suas atividades em 2006 e seus integrantes partiram em projetos separados (dos quais se pode destacar a banda De La Tierra). Contudo, voltou e 2016 e deu seguimento à sua luta em rol dos direitos indígenas, contra o racismo e em busca de uma valorização da produção artística do sul global. Acima da banda, a recomendação que fica é a de valorizar a cena local. Quem sabe assim o fã de heavy metal pare de pagar 800 reais para assistir o milésimo show do Iron Maiden no Brasil. Ouça a música: https://www.youtube.com/watch?v=gGXZtmWqUoo por Tiago Franco Brazil, I’m devastated! O Pet Indica dessa semana é o filme ‘Nasce uma Estrela’, o drama romântico que traz a história de Jackson – um cantor que já alcançou o ápice de sua carreira e que na atualidade lida com os seus vícios e passado – e de Ally, uma garçonete de incrível talento e que aspira ao sucesso. Ally é o exemplo vivo de que não é necessário somente talento para entrar no show business e que uma rede de contatos, influências e o ‘visual certo’ são tão decisivos quanto, enquanto que Jackson vive há mais de 30 anos nesse meio e se apega as lembranças de um passado para se conectar com os envolvidos no seu presente. Ao longo do filme vemos a carreira de Ally deslanchar e todo o seu envolvimento amoroso com Jackson. Como nessa relação, o passado e o presente de ambos são colocados em suas músicas e que acabam moldando toda a sua arte e perspectivas. Assim, ao pensar a trajetória dos personagens nota-se como a sociedade, as experiências, o contexto e as relações sociais que cada um deles estabeleceu são fatores explicativos de certas ações e comportamentos. E claro, acabam aparecendo em suas composições. Reflexão que nos leva a pensar: O que molda uma estrela da música senão a própria vida e as relações sociais que ela estabelece? Além disso, nos leva a refletir sobre o que é a arte e sua relação com contextos sociais mais diversos, afinal, uma música nem sempre é apenas uma música, ela pode ser um sentimento, a fotografia de um momento, um recado que se quer compartilhar com o mundo, uma crença ou a história de uma vida. O filme é estrelado por Lady Gaga e Bradley Cooper, sendo que a direção também fica a cargo do ator principal – marcando a sua estreia como diretor. A cantora que já é reconhecida como uma ótima atriz – Vencedora de um Emmy – aventura-se no mundo do cinema e atende a todas as expectativas com maestria, enquanto que Bradley mostra que a atuação não é seu único ponto forte. O remake possui três versões anteriores, sendo elas de 1937, 1954 e 1977. Algumas curiosidades sobre o filme: 1 – Beyonce foi cotada para interpretar o papel principal. 2 – Todas as músicas foram cantadas ao vivo. 3 – Jackson Maine é inspirado em Eddie Vedder, o vocalista de Pearl Jam. A Star Is Born Soundtrack no Spotify: https://open.spotify.com/album/4sLtOBOzn4s3GDUv3c5oJD Trailer do Filme: https://www.youtube.com/watch?v=WGsA2aXYBGo por Flavia Oliveira e Vitor Astavros |
PET IndicaSemanalmente, indicamos filmes, músicas, livros, eventos culturais da cidade, entre outros, acompanhado de um texto autoral que explore o cunho sociológico, antropológico e/ou político da indicação. Histórico
August 2021
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