"Os senhores não poderão ficar omissos, os senhores não terão como ficar alheios a mais essa agressão movida pelo poder econômico, pela ganância. Um povo que habita casas cobertas de palha, que dorme em esteiras no chão não deve ser identificado de jeito nenhum como um povo que é inimigo dos interesses do Brasil e que coloca em risco qualquer desenvolvimento. O povo indígena tem regado com sangue cada hectare dos oito milhões de km² do Brasil. Os senhores são testemunhas disso." Discurso de Ailton Krenak em defesa das terras indígenas na assembleia constituinte de 1988.
Apesar de ininterrupto o avanço da fronteira agrícola, nos últimos dias os povos originários do território brasileiro voltam a figurar nas principais discussões políticas brasileiras. A contribuição do primeiro episódio da série "Guerras do Brasil.doc", disponível na plataforma de streaming "Netflix", é evidenciar que a luta atual pela preservação da demarcação de terras indígenas no Brasil é um processo histórico-social, que se prolonga desde o momento da chegada dos portugueses neste território, e se prova um grandioso genocídio da multiplicidade de culturas que aqui se constituem e/ou já se constituíram em prol do desenvolvimento econômico. Enquanto eu assisto esse episódio, três pontos importantes sobre o conceito de Cultura, formulados por Roque de Barros Laraia, me vêm a mente e parecem ser indispensáveis para compreender tanto o documentário, quanto o conflito de terras. "A cultura condiciona a visão de mundo": há que se considerar a disputa de narrativas acerca da história da chegada dos europeus no território brasileiro. A história institucionalizada considerar essa chegada como uma conquista constituiu uma perversidade, que varreu da memória a presença dos vários e diferentes povos que ocupavam essas terras, e a variabilidade das formas de vida existentes, para narrar a divisão da costa atlântica entre particulares portugueses que aqui se fixaram no território e instituíram (o que para alguns se revelou) um sistema de produção e desenvolvimento civilizatório e (para outros) o fim do mundo, com a morte dos seus pares e a coagida negação da própria identidade. "A cultura têm sua lógica própria": o preconceito e o discurso de ódio são os que mantêm viva a prática de extermínio do outro que pensa e usufrui da terra de maneira culturalmente diferente do ocidental europeu e industrial. Essas ideias foram fortificadas no passado com a justificação da guerras pelo poder religioso, tratando os povos originários como selvagens endemoniados, e têm suas reminiscências ainda hoje no debate provocado pelos ruralistas, que por sua vez não detêm a habilidade de perceber a terra como um lugar a ser preservado, mas sim como usufruto da ganância que move e renova o sistema capitalista de produção econômica. "A cultura é dinâmica": todos os grandes ciclos econômicos deste país afetaram de alguma maneira os povos indígenas, forçando-os a se adaptar à violência. A guerra é contínua. Muitos de nós tem dificuldade de achar seu espaço de responsabilidade nessa guerra. Não somos em maioria proprietários de terra e nem indígenas. Poucos de nós reflete sobre a conivência do Estado brasileiro desde a chegada dos portugueses até hoje. Todos somos parte desse Estado. Para os brasilienses: até o dia 10 de setembro de 2019, de terça a domingo, entre 9h e 21h, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) hospeda a exposição "Vaivém". "A exposição investiga as relações entre as redes de dormir e a construção da identidade nacional no Brasil. Quando a rede – criada por diferentes povos originários ameríndios – passou a ser associada de maneira direta com o território brasileiro e a noção de brasilidade? A exposição caracteriza-se por seu caráter trans-histórico, reunindo artistas de distintos contextos sociais, diferentes períodos e regiões do país, que refletem sobre permanências, rupturas e resistências na representação e nos usos das redes de dormir na arte e na cultura visual brasileiras. Com curadoria de Raphael Fonseca, a mostra reúne cerca de 300 obras de coleções públicas e privadas, algumas especialmente criadas para o projeto." (Sinopse disponível no site do CCBB http://culturabancodobrasil.com.br/portal/vaivem/) Escrito por Manuel Guerra.
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August 2021
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