“A carne mais barata do mercado
É a carne negra A carne mais barata do mercado É a carne negra Que vai de graça pro presídio E para debaixo do plástico...” ( trecho da música “A Carne” de Elza Soares) Será que a crítica produzida pela música de Elza Soares, feita em 2002, é ainda a realidade brasileira? O documentário “Auto de Resistência” responde que sim. Dirigido por Natasha Neri e Lula Carvalho e tendo como ano de lançamento 2018, o longa trata exatamente do que a música, apresentada acima, descreve, o tão assustador assunto e que vem sendo abafado por anos no Brasil: o genocídio em massa da população jovem negra periférica no Estado do Rio de Janeiro. Acompanhamos a trajetória de mães que perderam seus filhos, vítimas que sobreviveram e testemunhas tentando lidar com essas mortes provocadas pelo Estado e fazendo de sua vida uma luta constante por justiça. Também observamos os advogados das famílias, os promotores, juízes e réus no tribunal para esclarecer o ocorrido, julgá-lo e dar um voto final de culpado ou inocente. É possível presenciar a atuação de deputados importantes a favor da justiça e da acusação como, Marielle Franco e Marcelo Freixo, também assistimos a fala pela inocência destes policiais vindo da família Bolsonaro, até então somente deputados. O documentário expõe histórias de homicídios praticados pela polícia contra civis, em diferentes comunidades cariocas, em um auto de resistência. O ato é definido por: o policial mata um suposto “suspeito”, alegando legítima defesa e que houve resistência a prisão. A ocorrência é registrada como “auto de resistência” e as testemunhas são os próprios policiais que participavam da ação, por este motivo os crimes quase nunca são investigados. É um longa forte, podendo ser contra-indicado para pessoas sensíveis a sangue. Existem cenas explícitas de abuso de poder e violência por parte dos policiais, normalmente gravada por testemunhas. A partir da exposição do filme, podemos associar com os conceitos de Judith Butler sobre vidas precárias e vidas passíveis de luto. Em seus livros “Marcos de Guerra” e “Vidas Precárias” nota-se que a sociedade afasta a todos que são consideráveis fora do padrão normativo. Ou seja, de acordo com Butler estas vidas que são não-normativas, também não são reconhecidas como vidas e seres humanos, suas vidas se tornam precarizadas pelo próprio Estado e sua morte não significa nada, ao ponto de não precisar passar pelo processo de luto. Ao nos questionarmos por que esses assassinatos ocorrem devemos lembrar deste conceito também, para os policiais o jovem negro periférico é tão precário que não é uma vida que fará falta ou é importante, tira-se a humanização da vítima para justificar o ato. Além de sua vida ser insignificante, as da sua família também são. O processo de luto não é reconhecido, a justiça não é feita, levando-os, além de assassinados, seres não enlutados. Aos que querem assistir, desejo-lhes boa sorte e caso necessário pause-o nos momentos difíceis. Adianto-lhes que este documentário deve ser visto até o final pois, é de extrema importância para entendermos, ou começarmos a entender, sobre a opressão policial, abuso de poder, manipulação de cenas de crime, limpeza étnica, corpos precários, políticas higienistas, gastos públicos na “guerra contra as drogas”, racismo institucional/estrutural e o genocídio de uma parte da população. Por: Laura Cereza Reis.
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August 2021
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