Mrs. America é uma recente e elogiada minisssérie norte-americana, que se passa nos Estados Unidos durante os anos 70, no âmbito dos movimentos pelos direitos civis e, especificamente, das discussões legislativas referentes à ERA (Emenda de Direitos Iguais entre os gêneros nos EUA). O debate é encabeçado por feministas de segunda onda, como Gloria Steinam (Rose Byrne) e Shirley Chisholm (Uzo Aduba), e encontra forte oposição na figura da conservadora Phylis Schlafly (Cate Blanchet), que, ao adotar um discurso crítico ao movimento feminista da época, cria um campo de conflito entre visões contrárias sobre o mesmo tema, provocando reflexões que parecem extremamente atuais.
A série se debruça, ao longo dos episódios, sobre a vida íntima destas e de diversas feministas da época, assim como de mulheres que apoiavam o movimento contrário, liderado por Phylis, contendo muitos elementos fictícios, também. Após ser proposta e aprovada, a ERA possuía um longo prazo para ser ratificada por todos os estados norte-americanos, e a oposição imposta por Phylis foi tão efetiva que conseguiu barrar a progressão da discussão. Embora referencie diversos elementos da cultura norte-americana e de sua política, o que às vezes pode parecer complicado para quem assiste, a minissérie também possibilita traçar muitos paralelos com o momento atual vivido, inclusive, no Brasil. Através do poderoso discurso disseminado por Phylis, que mente deliberadamente ao afirmar para seus apoiadores que a aprovação da ERA faria com que mulheres tivessem que se alistar no serviço militar e que haveria a criação de banheiros compartilhados entre os gêneros, a conservadora cria um discurso de estigmatização dos movimentos feministas bastante familiar para o Brasil atual. As seguidoras de Phylis passam a achar, assim, que a aprovação de medidas de igualdade de gênero tirariam a mulher de seu lugar “tradicional”, qual seja, o ambiente doméstico, e passam a se manifestar expressamente contra elas. Por consequência, questões que, até então, vinham se pacificando como comuns entre republicanos e democratas (como a igualdade entre gêneros, pois a ratificação da ERA parecia certa em todo o país), viram polos opostos de uma polarização radical, que se vê refletida na política até os dias de hoje. A série, ao explorar o movimento feminista, aborda ainda as suas diferenças internas, destacando-se a atuação de Shirley Chisholm, a primeira mulher negra a se candidatar para o cargo de presidente no país, que, ao lutar por sua candidatura dentro do partido democrático, enfrenta conflitos com o movimento feminista e o movimento negro, além da resistência de seu partido em lhe respeitar como uma figura política, revelando as dificuldades e contradições das mobilizações sociais da época. Com ótimas atuações e um enredo muito instigante, a série permite que quem assiste conheça importantes figuras do movimento feminista da época, além de levantar discussões que, por mais que o tempo passe, parecem sempre voltar à tona, reinventadas e sob diferentes formas. Prova disso é o fato de a ERA ter sido aprovada somente neste ano no último estado que ainda restava (Virgínia), embora com efeitos questionáveis, devido ao fim do prazo proposto. A série está disponível para download na internet.
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August 2021
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