Quando eu era criança, meus tios me chamavam de Daniel-san, porque eu usava uma faixa amarrada na testa. O apelido ganhou força quando, na adolescência, eu pratiquei karatê. Daniel é o protagonista da trilogia de filmes dos anos 80 “Karatê Kid”. Quando de fato eu assisti ao filme, percebi que eu tinha mais de Daniel do que só a faixa na cabeça e os chutes e socos do karatê. Tal como o personagem, eu sou orgulhoso, inseguro, cabeça dura, teimoso e era vítima de bullying na escola.
“Cobra Kai” é uma série de duas temporadas, disponível no Youtube, que conta a história dos personagens da clássica trilogia mais de 30 anos depois. É recomendada principalmente para aqueles fãs dos filmes clássicos da sessão da tarde. Neste texto refletirei sobre um aspecto específico da série: o bullying entre os adolescentes. Provavelmente, nos anos 80, ninguém no Brasil dava o nome de bullying para a violência típica de ambientes escolares. Vários dos nossos pais ousariam dizer que ela nem mesmo existia, tamanha a naturalização desse comportamento nessa fase da vida. “Karatê Kid” não se popularizou necessariamente porque tratou dessa prática, mas sim por espetacularizar as artes marciais aos olhos juvenis. No entanto, é importante denotar que essa faz parte da maneira como desenvolvemos nossas relações sociais em certa idade. “Cobra Kai” nos chama atenção às consequências imediatas dessa violência, bem como as que carregamos para o resto de nossas vidas, tanto como vítimas, quanto como praticantes. Hoje, o termo é popularizado, por isso vou me permitir não precisar explicar o que é o bullying. Porém, ainda que saibamos do que ele se trata, não é uma prática que parece estar próxima de acabar. Aparentemente, há algo na nossa socialização que faz com que ela se reproduza nas gerações seguintes. Alguns diriam, erroneamente, que é parte da nossa natureza humana fazer piada, expor, diminuir, segregar, invisibilizar ou praticar qualquer outra das várias maneiras que o bullying se manifesta contra uma pessoa. Infelizmente para esses, os estudos sociais já comprovaram cientificamente diversas vezes que os comportamentos sociais não são biologicamente herdados, mas claro socialmente aprendidos. O que importa pensar é: no que o bullying nos transforma? Não é nada possível concluir que ofender, acentuar as nossas diferenças, apontar o que deve ser visto como negativo e defeituoso, humilhar um outro ser humano seja construtivo. E, já que não nos desenvolve, por que insistimos nele como solução? Em tempos críticos, precisamos nos agarrar no que é construtivo. Ou como diria o senhor Miyagi, o que nos põe em equilíbrio perante nossos desafios. Sejam eles individuais, ou sociais. “Cobra Kai” não é nada sociológico, ou culturalmente profundo e abstrato, mas trata de relações humanas. Ele faz algo que nós como seres sociais temos dificuldade, ele dialoga com seu telespectador. Theodor W. Adorno concluiu em “Educação e emancipação” que as condições sociais de existência do fascismo ainda existem na nossa sociedade, porque elas residem na racionalização da nossa forma violenta de resolução dos conflitos. O Karatê, a Sociologia e a Educação me ensinaram a mediar conhecimentos, por mais conflituosos, contraditórios e ofensivos que eles fossem. Porque é somente na dúvida, no questionamento e na reflexão que se produzem relações humanas acolhedoras, diversificadas e potencialmente melhores.
0 Comments
Leave a Reply. |
PET IndicaSemanalmente, indicamos filmes, músicas, livros, eventos culturais da cidade, entre outros, acompanhado de um texto autoral que explore o cunho sociológico, antropológico e/ou político da indicação. Histórico
August 2021
Categorias |